
02h40. Um frio intenso desperta-me. Olho à volta e do pouco que consigo distinguir apercebo-me que estou numa sala vazia, de azulejos brancos nas paredes. Pouco mais consigo ver. Mexo-me na tentativa de me levantar para tentar perceber onde estou mas rapidamente entendo que não o consigo fazer. Sinto a zona da barriga a repuxar e a doer. “Que se passa?”, pensei. A resposta cai-me rapidamente nos braços quando uma simpática enfermeira me coloca um bebé ao lado e me diz: “Esta é a sua filha!”. “A minha filha??”, pergunto eu com alguma admiração. “Sim!”. “Vamos tentar dar-lhe de mamar?”, pergunta ela. “Sim..”, respondo ainda meio adormecida.
Olho para ela e torno a olhar. Tem a pele morena, a boquinha vermelhinha e um cabelinho de anjo que consegue escapar por debaixo do gorro cor-de-rosa. Os seus movimentos são delicadamente pausados. E as suas mãos grandes, de dedinhos compridos mexem-se em jeito de “Olá mamã, cheguei!”.
O pai entra entretanto na sala. Os olhares parecem querer parar o mundo. Estamos ali os três, pela primeira vez. As palavras saem atabalhoadas e aos soluços. E rapidamente volta a enfermeira a dizer que o pai tem que sair. Diz-me também que vai levá-la para o berçário e que amanhã a levarão para perto de mim.
Em instantes sinto um vazio imenso e tento não pensar em nada. Foi tudo tão rápido.. Apenas sei que quero que o amanhã seja breve, muito breve.
Cama 13. É aqui que vou ficar. Pouco posso fazer. Nem sequer voltar-me. Envio uns sms a avisar que estamos bem e relembro o dia de hoje.
Levantei-me hiper bem disposta e pronta para mais um dia de espera. Decidi ir tomar o pequeno-almoço à pastelaria de sempre. O telefone não pára de tocar. Todos querem saber se “está quase?”. “Tudo tranquilo”, respondo. Na verdade, sinto uma pequenita contracção muito de vez em quando. Mas nem me preocupo. Completo hoje precisamente 41 semanas de gravidez. Trocado por miúdos dá 10 meses! Ufa! Mas cada dia foi uma bênção. Nem enjoos, nem mau estar, nem dormir mal, nem nada das “mazelas” habituais das grávidas. Sinto-me apenas pesada já que conto com 18kg a mais. Mas não importa. Há dias disseram-me no Hospital que a placenta está como nova, há bastante liquido amniótico e o bebé está excelente!
Combino ir almoçar com as colegas de escritório. Às 12h41, a caminho do restaurante, já vou de bloco na mão apontando os intervalos das contracções. 12h41..12h54..13h16..13h31.. São bastante espaçadas e não há razão para alarmes. Almoço e vou para casa. As contrações aumentam e resolvo ligar ao meu médico. Às 16h00 estou lá e ele diz-me que está demorado. Nada de dilatação e bebé bastante subido. A conselho dele fomos “subir e descer” montes na pick-up para ajudar no processo de descida do bebé. Foi uma aventura claro.. E as contracções a aumentar.. Às 17h30 estou de volta ao consultório. Conto-as de 30 em 30 segundos, com uma duração de cerca de 20 segundos cada. Ele diz-me que continua subida e não há grande evolução. Mandou-me ir subir e descer escadas para o shopping. Lá fomos. 19h00 e estou novamente no consultório com umas dores terríveis que nem me deixam estar sentada. Novo toque e boas noticias! “Agora sim! Já tem 3 dedos de dilatação. Vou escrever uma cartinha e vai já para o hospital”.
São 19h40. Chegamos ao balcão, faço a ficha, subo ao 5.º piso e aguardo na sala de espera. 10, 15, 20, 30 minutos à espera e cheia de dores. Lá se resolvem a chamar-me depois de um pai em espera ter reclamado em meu auxílio. Sou examinada e concluem que estou em trabalho de parto com 4 dedos de dilatação. Sigo para a sala de partos n.º 4 e espero que venham ter comigo. 10, 15, 20 minutos. E eu em delírio absoluto com as dores que aumentavam de minuto pra minuto.
Entra o aparato de enfermeiras. Colocam-me as cintas, o aparelho de medir a tensão, o soro e preparam o cantinho da Mathilde. Há muitos risos no ar e conversas. Faço-as rir e elas a mim. Contamos histórias e nem dou pelo tempo passar. Chega o pai de bata verde e senta-se ao meu lado. Novo toque e 5 dedos de dilatação. São quase 22h00. O polígrafo sai do papel a cada nova contracção. São extremamente fortes e insuportáveis. A anestesista chegou e enrolo-me toda para receber a epidural. 20 minutos depois deixo de sentir a perna esquerda mas as dores mantêm-se. Chamam a anestesista que me dá nova epidural porque o cateter se tinha movido.
Entro em desespero e por 2 vezes perco o controle mas tudo passa. A enfermeira rebenta-me as águas e faz novo toque. Não evoluiu e o bebé continua muito em cima. As contracções são agora mais fortes que nunca e chega a vontade de puxar. Dizem-me para aguentar. Reforço de epidural. 23h30 talvez.. Oito dedos de dilatação. “Já lhe sinto o cabelo”, diz a parteira. Estou deitada de lado e estafada. O bendito “pode fazer força” é chegado! Ok. Vamos lá. Força, força, força!... Mais uma vez.. Olho para a cara da parteira que não é muito animadora.. Ouço ela dizer “esta ao menos sabe fazer força bem, ao contrário da que está ali ao lado”. Fico contente, e continuo a fazer força acreditando que o fim está mesmo a chegar. 00h20. A parteira chega-se perto da minha cara, passa-me a mão pela testa e diz-me: “Minha querida, o bebé continua muito em cima e como já ai está há 41 semanas temos medo que entre em sofrimento e decidimos que é melhor ir para cesariana”.
Olho para o pai. Ele olha para mim. As lágrimas calam o olhar. Entrego-lhe os óculos e levam-me pelos corredores para a sala de operações. Por entre o rodopio das enfermeiras vejo os tão característicos projectores redondos do tecto da sala. A anestesista levanta a voz e diz: “Acabou a conversa agora! Não há tempo a perder!”. Vejo o lençol verde de buraco no meio a cobrir-me e o tubo da anestesia geral em direcção à minha cara. E adormeço...
P.S - Princesa, este post é para ti! Aqui etrás sempre uma recordaão dos momentos que antecederam o teu nascimento. Espero que gostes!